segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Derrubando paredes e preconceitos I

Entrevista José Pacheco Revista Professor Sassá especial Ano II Nº 11 Outubro 2009 págs 6 à 10.

Uma escola sem salas de aula, sem turmas divididas por faixa etária, onde cada criança decide o que e com quem estudar e aprende a conviver com os colegas e professores num clima de respeito, solidariedade e liberdade. Essa escola dos sonhos existe há 30 anos e inspira novas experiências no mundo todo.

Desde 1976, a ousadia do engenheiro e educador José Pacheco em pôr em prática uma nova organização de escola deu início à famosa Escola da Ponte, na cidade portuguesa de Vila das Aves. "Foi uma certa vingança pelas violências que eu mesmo passei na escola quando pequeno. Não queria que nehuma criança tivesse que passar mais por coisas semelhantes", lembra o professor Pacheco.
Quem ouve falar pela primeira vez da experiência portuguesa, hesita em acreditar. Surpresa maior só mesmo de quem a conheceu nos anos 70.
Aqui, o professor Zé da Ponte, como gosta de ser chamado, conta a sua experiência transformadora.

Como o senhor encontrou a escola da Ponte em 76?
A Escola da Ponte era um espaço malcuidado, mais da metade dos alunos da 1ª à 8ª série não sabia ler e todos iam para as aulas sujos, bêbados e prostituídos. Era um espaço capacitado para reproduzir desigualdade e infelicidade.
Coisas básicas, como satisfazer as necessidade biológicas mais elementares, constituíam uma experiência humilhante:os banheiros não tinham portas e as alunas iam lá fora em frupos de cinco, ou seis, para fazerem um círculo humano em torno da necessitada, numa lição de solidariedade. Os professores, encerrados no refúgio da sua sala, a sós com seus alunos, o seu método, os seus manuais uniformizados, a sua falsa competência multidisciplinar, repetiam passivamente as lições.
As crianças que chegavam à escola com uma cultura diferente da que ali prevalecia eram desfavorecidas pelo não reconhecimento da sua experiência sociocultural. Algumas transferiam para a vida escolar os problemas sociais dos bairros pobres onde viviam. O resultado era alunos desajustados que colocavam em prática a tradição da escola: mandar os professores para o hospital. È claro que eles exigiam de nós uma atitude de grande atenção e investimento no domínio afetivo e emocional. E isso, a escola tradicional, cheia de regras impostas, não permitia.
Podemos dizer que a solidariedade entre os alunos deslanchou o processo?
Sem dúvida. Haverá mais solidariedade que assegurar a necessária intimidade à colega que precisa ir ao banheiro? Os grandes projetos partem de pequenos gestos. E só professores que não se questionam poderiam consentir que as crianças continuassem a viver num cotidiano escolar que roçava o limiar da sobreviência. Quando ficou garantido o conforto dos corpos, o reconforto das alams veio por acréscimo. O projeto cresceu, prosperou, sofreu ataques que visavam destruí-lo, mas resistiu e consolidou-se.
O projeto da Escola da Ponte é um projeto eclético?
De certo modo, por adotar contribuições de diferentes origens, modelos, autores e correntes...
É nossa convicção que um projeto só poderá encontrar sentido e sustentabilidade se for escorado numa permanente interrogação das suas práticas e escapar à vertigem de fundamentalismos pedagógicos. Rejeitamos as teorias, propostas metodológicas, os modelos, os modismos, por mais bem embrulhados e recomendados que cheguem até nós, se não fizerem sentido. É só isso: antes de adotar qualquer conceito, já cristalizado ou inovador, o analisamos com sensibilidade e bom senso.
Como esse conceito muda o dia a dia da escola?
Como disse, é uma questão de bom senso. Ninguém conseguiu, até hoje, explicar a necessidade da divisão das classes e, por isso, nós a eliminamos. Fizemos uma ruptura quase total com a tradicional organização do trabalho escolar. Mas se o "tradicional" traz bons resultados em outras escolas, tudo bem. Aliás, não dispensamos algumas das suas contribuições. Nem nos deixamos deslumbrara pelas "soluções" encontradas. Apesar de as histórias de vida dos ex-alunos serem feitas de realização pessoal e de excelentes desempenhos acadêmicos nas escolas para onde transitaram, mesmo com tudo o que foi construído ao longo de quase três décadas, estamos sempre animados com o "brilho dos inícios"...
Nessa mudança organizacional, quais foram os objetivos principais? concretizar uma efetiva diversificação das aprendizagens, tendo por referência uma política de direitos humanos que garantisse as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos; promovera autonomia e a solidariedade; intensificar a cooperação. E, pelo caminho, encontramos amigos e companheiros (ainda que já desaparecidos como Paulo Freire, Piaget, Dewey, Montessori, Ferrer, Neil, Carl Rogers, Vigotsky, Stenhouse, Agostinho da Silva, Rudolph Steiner, Freinet, e muitos outros) que nos guiaram com segurança.

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